Artigo publicado na Revista Jurídica Síntese nº 23.
Gustavo Lopes Pires de Souza
Doutorando em Direito
Desportivo e Mestre em Direito Desportivo pelo INEFC/Universitat de Lleida
(Espanha); Coordenador Adjunto e Professor na Faculdade de Direito de Contagem
(FDCON). Diretor do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD). Membro
do Conselho Editorial da Revista Síntese de Direito Desportivo; professor e
autor de livros e artigos.
Carlos Santiago da Silva Ramalho
Administrador pela
Universidade Vale do Rio Verde - Unincor; Graduando do 5º período de Direito –
Faculdade de Direito de Contagem (FDCON); Membro da Associação Internacional de
Poetas; Autor de livro.
Danyelle Gonçalves de Assis
Graduanda do 5º período
de Direito - Faculdade de Direito de Contagem (FDCON)
Thairine de Oliveira
Rocha
Graduanda do 5º período
de Direito - Faculdade de Direito de Contagem (FDCON)
Resumo: Os debates em torno da violência relacionada ao futebol
nunca esteve tão em voga quanto nos últimos anos. Uma das controversas formas
quem vem sendo utilizadas na tentativa de coibir atos violentos entre torcidas é
a realização de jogos com torcida única. Esta medida, entretanto, é polémica e
divide opiniões tanto de especialistas da área quanto de torcedores. Além de
ser um desserviço à sociedade a instituição de torcida única ofusca o brilho de
uma das mais festejadas paixões dos brasileiros: o futebol. O presente artigo tem
por objetivo realizar uma breve analise jurídica acerca do tema no tocante a
identificar o possível despreparo / incompetência dos entes públicos quando o
assunto é violência no futebol.
Palavras-Chave: Torcida Única – Futebol – Violência – Despreparo –
Incompetência.
Abstract: The debates around the football-related violence
has never been so fashionable as in recent years. One
of the controversial forms
who has been used
to try to prevent violence among supporters is playing
games with unique twists. This measure, however, is controversial
and divides opinions
of both experts in the field as fans. Besides being
a disservice to society the only crowd institution
obscures the brightness of one of the most celebrated
of Brazilian passions: soccer. This article aims to make
a brief legal analysis
on the subject with respect to identifying the possible lack of preparation / incompetence
of public entities when it comes
to football violence.
Keywords: Fans Single - Football - Violence - Unpreparedness
- Lack.
Sumário: I. Introdução; II. Torcida Organizada e Violência; III. A
Violência no Futebol; IV. Da Torcida Pública; V. A Atuação do Estado no Combate
à Violência no Futebol; VI. Conclusão
I. INTRODUÇÃO
A violência é um fenômeno antissocial
que se verifica nas mais diversas modalidades esportivas, inclusive no futebol,
comumente acentuada em razão do fanatismo e pelos desvios de personalidade
daqueles torcedores que utilizam as cores do time como pretexto para a prática
de atos ilícitos.
No contexto acima, o genuíno
significado do torcer acaba por ganhar contornos balizados pelas expressões e
sentimentos de seus torcedores. E é nesta linha que se manifestam diferentes
tipos torcedores.
Reis (1998), destaca existir os espectadores,
os torcedores, os torcedores uniformizados e os torcedores organizados. Os
espectadores são aqueles que apenas assistem aos jogos. Os torcedores são aqueles
que se envolvem nas partidas. São os torcedores e não os espectadores que
cantam, xingam, fazem coreografias, choram, empurram o time e agridem
verbalmente – às vezes até fisicamente – os adversários e o árbitro. O torcedor
uniformizado “usa a camisa de sua equipe, demonstrando assim sua predileção por
um time de futebol”. Já o torcedor organizado, por sua vez, “faz parte de uma facção
torcedora, que tem uma estrutura organizacional independente do clube pelo qual
torce”.
Ainda, segundo a professora
Heloísa Helena Baldy dos Reis:
As manifestações violentas envolvendo torcedores de
futebol em dias de jogos, dentro ou fora dos estádios, são atualmente um
problema de segurança pública e um objeto de pesquisa da sociologia do esporte
em vários países, já que o fenômeno reúne as características de estabilidade e
persistência, ocorrendo com regularidade, e tendo como lugar os estádios de
futebol e as suas imediações, não sendo raras também as manifestações violentas
em outros locais das cidades onde ocorrem jogos. (REIS, 2006).
Outrossim, como ressalta Márcio
de Souza Peixoto, “Lamentavelmente, em que pese todo seu caráter lúdico e
moral, o fenômeno da violência associada ao desporto sempre existiu. O esporte
é uma forma de luta ritualizada especial, produto da vida cultural humana.”
(PEIXOTO, 2011).
Pimenta (1997), destaca que
"a mudança de comportamento do torcedor nas arquibancadas dos estádios começa
a ser sentida num viés de violência, truculência e agressividade – nos moldes
atuais – pelo torcedor comum e agentes envolvidos com o esporte, e passa a ser
veiculada com maior frequência pelos órgãos de impressa, apartir dos anos
noventa. Simultaneamente, grupos de jovens e adolescentes engrossam as fileiras
associativas das "organizadas"".
A relação entre violência e esporte é complexa, com maior
visibilidade no futebol por causa do tamanho e importância deste esporte como
um dos principais fenômenos sociocultural do século XX e do alargamento da
projeção do futebol-show como um dos principais produtos da indústria cultural.
Sob essa complexidade, várias ciências, cada um à sua maneira
tem buscado identificar as origens e os motivos da violência no futebol.
No entanto, esta complexidade não deve ser um motivo de
inatividade profissional ou científica. As carências identificadas devem ser,
ao longo do tempo, substituídas por pesquisas e trabalhos
Como bem acentua Madir Isidre Ramon:
(...), Machado opina que es normal que la agresividad
se manifieste en el deporte desde el mismo momento en que el juego se confunde
con la realidad social, en la agresividad surge como uno de los varios
componentes del comportamiento humano en lucha por la búsqueda de su espacio y
su prestigio dentro de la sociedad. (RAMON, 2003).
Diante disso, este trabalho busca analisar o estabelecimento
de torcidas únicas como forma de combate à violência nos estádios de futebol.
II.
TORCIDAS ORGANIZADAS E VIOLÊNCIA NO FUTEBOL
Pimenta (1997) questiona se
existiria "uma relação efetiva entre a mudança no comportamento do
torcedor e o aumento vertiginoso de jovens e adolescentes associando-se as
Torcidas Organizadas?".
Toledo (1996), por seu turno, ressalta que a violência é um
fenômeno que sempre caminhou junto aos atores do futebol, sejam eles, jogadores
ou torcedores. As torcidas organizadas, surgidas no final da década de 1960 e
início de 1970, por sua vez, têm sido responsabilizadas pela crescente
rivalidade no esporte.
Muito embora a crescente violência
no futebol ser atribuída às torcidas organizadas, não há relação direta, objetiva
que se amolde às questões aventadas por Pimenta e Toledo.
Destarte, apesar de muitos
atribuírem a causa da violência às Torcidas Organizadas, Heloisa Helena Baldy
dos Reis, socióloga e coordenadora de pesquisa da UNICAMP/CNPQ em artigo
publicado pela revista GAlleu de setembro de 2009 destacou que “Torcidas
organizadas agora recebem o rótulo de facções, numa tentativa de relacioná-las
ao mundo do crime. A realidade é diferente. Torcedor organizado não é bandido!”
E completa que
Costuma-se generalizar, mostrando que as mortes têm a
ver só com as torcidas, o que não é verdade. Por isso, pregar a extinção das
organizadas para estancar a violência é a mesma coisa que defender o fim do
senado para acabar com a corrupção. (REIS, 2009, p. 96).
As causas da violência estão além
dos torcedores:
Enquanto alguns culpam apenas as torcidas organizadas,
outros responsáveis pelo problema são poupados. Há o Estado, que muitas vezes
não oferece um policiamento de qualidade, preparado para atuar em jogos de
futebol. Jogadores e dirigentes incitam a violência com declarações impensadas.
E grande parte da imprensa, na ânsia de encontrar respostas imediatas a um
problema histórico, comete equívocos básicos, como não ouvir todas as partes
envolvidas. O resultado é uma visão deturpada e preconceituosa, que não
contribui para a superação do problema. (REIS, 2009, p. 96).
Completa, a professora:
De forma rápida, em uma análise micro pode-se dizer
que os fatores geradores de violência relacionada ao futebol são: a impunidade,
a falta de infraestrutura dos estádios, a falta de competência na organização
dos espetáculos futebolísticos, a irresponsabilidade dos promotores de eventos
esportivos, os limites dos agentes de segurança que trabalham em estádios de
futebol, além da falta de uma política pública de segurança preventiva. (REIS,
2006).
III. A VIOLÊNCIA NO FUTEBOL
Imprescindível uma análise mais profunda
nos contextos históricos, políticos e sociais para que se identifiquem as reais
causas da violência.
Entretanto, não se pode, contudo,
afastar que as causas da violência provem da própria sociedade.
“as causas da violência no esporte devem ser buscadas
na sociedade. E aqui não há como escapar ou negar que a exclusão social é um
fator preponderante dentre as múltiplas causas da violência. A pobreza, as
péssimas condições de vida, o desemprego, a falta de escola, de moradia, de
cultura, de lazer, etc”. [1]
A violência relacionada ao
esporte deve ser compreendida em um sistema de metabolismo social
contemporâneo.
O argentino Daniel M. Cesari
Hernandéz acrescenta:
La violencia social, consecuencia, muchas veces, de la
propia naturaleza humana y otras tantas de factores económicos, políticos y
hasta religiosos, es uno de los factores que El Estado ha intentado controlar a
través del derecho penal, aunque no con mucha efectividad.
Es sabido que la práctica deportiva genera violencia
en si misma, producto del espíritu violento del ser humano, que ve en el
contrictante no a un mero competidor, sino a alguien que pretende arrebatarle,
su presa, representando, en consecuencia, al enemigo en dicha contienda. (HERNANDÉZ,
2009).
Os episódios de violência
veiculados pela mídia, na maioria das vezes envolvem confrontos diretos entre torcedores
rivais, o que acaba por gerar perplexidade e disseminar a sensação de
insegurança entre a população e os pacatos frequentadores de jogos em estádios
de futebol.
A edição on-line de 09/12/2013, do
site LANCE!Net trouxe matéria intitulada “Violência entre torcidas já matou 234
pessoas, sendo 30 este ano”, repercutindo atos de violência ocorridos em
Joinville-SC entre Atlético-PR e Vasco, em jogo válido pela série A do
Campeonato Brasileiro.
Assim dispôs o periódico em sua
edição “on-line”.
“As imagens de selvageria em Joinville (SC), durante o
primeiro tempo de Atlético-PR x Vasco, repercutiram em tempo real por todo
país. Afinal, o jogo era válido pela Série A do Brasileiro e estava sendo
transmitido ao vivo pelas principais emissoras do país. Porém, a violência
ligada ao futebol já acontece desde os primeiros dias deste ano, sendo
“escondida” pelo fato de a imensa maioria das vítimas ter acontecido fora do
eixo Rio-São Paulo, ou seja, de menor acompanhamento pela mídia nacional”.
“Já foram contabilizadas 30 mortes ligadas ao futebol,
sendo que os estados Norte e Nordeste são os que mais sofreram com essa
intolerância entre os torcedores, principalmente, daqueles que pertencem às
facções uniformizadas”.
“No dia 3 de abril de 2012, o LANCE!Net
trouxe um levantamento exclusivo que dava conta de 155 mortes ligadas ao
futebol desde abril de 1988, quando se tem registro da primeira vítima ligada
ao futebol - Cléo, presidente da Mancha Verde, em São Paulo. Neste momento,
porém, o número é bem superior. Já são 234 mortes ligadas ao futebol no país”. [2]
Com o título “Violência mancha o futebol”, a edição on-line do site UOL ESPORTE de 20/07/2009, publicou estudo realizado pelo sociólogo e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Mauricio Murad, em que o Brasil ostenta o trágico 1º lugar no ranking de mortes ligadas ao futebol.
Registrou o periódico em sua
edição “on-line”.
“O fato do Brasil estar ocupando o trágico primeiro
lugar no número de óbitos em conflitos de torcedores deve-se, segundo o
professor, ao fato de não ter ocorrido aqui uma reação a esse tipo de
violência, tal como fez a Itália, promovendo reformas na legislação até para
punir os dirigentes que incitam a violência. "No Brasil, infelizmente, não
houve reação satisfatória e consistente", concluiu.”
“Mas a violência não é algo típico apenas do mundo
esportivo. "Cresceu a violência no futebol porque cresceu a violência no
país. E cresceu a violência no país porque a impunidade e a corrupção são cada
vez maiores", concluiu o sociólogo”. [3]
Enfim, a violência no futebol
corresponde a um fenômeno bastante complexo oriundo das mais diversas causas.
IV – DA TORCIDA ÚNICA
Na tentativa de minorar o
lastimável quadro de violência em jogos de futebol o Poder Público passou a
sugerir a realização de jogos com torcida única como forma preventiva diante
dos latentes riscos de segurança e ordem pública.
A medida, entretanto, divide opiniões:[4]
Uma das vozes mais atuantes neste
sentido é a do Promotor do Ministério Público de SP, Dr. Paulo Castilho. Para
ele trata-se de “uma medida transitória e emergencial para
conter esta onda de violência, até conseguirmos estabilizar a situação”.
Também
favorável à medida, o ex-ministro do Esporte, Orlando Silva, menciona que “não
faz sentido futebol sem público, mas é hora da torcida única como medida
emergencial nas decisões”.
Segundo
Irinaldo Pacheco, o Nadinho - diretor-geral da Fanáutico,
principal torcida do Náutico. “A única torcida visitante que
vai ao estádio é a organizada, e sempre tem confusão. Por isso, sou a favor da
torcida única”.
Para o ex-presidente do Atlético-MG,
Alexandre Kalil, “apesar de Minas Gerais não ser o maior
exemplo de violência entre torcedores no país, não temos outra opção”.
Na esteira dos contrários a
torcida única, pondera o Cel. Marcos Marinho, ex-comandante da PM de SP que “a sensação de segurança fica maior, e os riscos menores, mas acho
que ainda não é o momento”.
Para o diretor da Mancha
Alviverde, Rafael Scarlatti, torcida única seria “uma vitória
da violência, já que as torcidas terão de pagar por uma ineficiência do Estado”.
“Quem quer brigar vai para a
'pista' de todo jeito. A violência em Pernambuco é fora dos estádios, e isso só
vai fazer com que as
brigas mudem de local. O que é preciso fazer é interditar as vias de acesso aos
estádios, em dia de clássicos, e dividi-las entre as torcidas dos dois times”, avalia o Vice-presidente
da Torcida Jovem do Sport, Marcelo Domingues.
O Deputado
paulista Federal Silvio Torres afirma que “Iremos
escamotear o problema, deixar de nos atentar para as causas envolvidas e
confessar a impotência das autoridades”.
Na opinião do saudoso
jurista desportivo, Marcilio Krieger, a medida “é uma
forma de segregação que a constituição não permite, além de ser uma declaração
da falência do estado para manter a tranquilidade social. Essa é uma briga de
gato e rato, mas não será com torcida única que a violência será coibida. Isso
tira o direito de um inocente assistir a um jogo, embora ele não tenha agido de
forma contrária à lei”.
Vale ressaltar que o fenômeno da
violência envolvendo futebol não ocorre apenas no Brasil, mas em vários países,
especialmente da América Latina, como é o caso da Argentina, instituíram jogos
com torcida única como medida preventiva a segurança contra as temidas barra bravas.
“As barra bravas na Argentina são
muito tradicionais, mas também consideradas perigosas. Representam a alma e
garra das equipas locais. Estas são responsáveis pelo apoio incondicional a
equipe. São famosas por cantarem até quando o time está perdendo e no momento
em que sofre um gol.
Contudo, as mesmas são responsáveis por espetáculos
de violência e
também do narcotráfico, afetando socialmente toda a Argentina.
Desde o primeiro assassinato ocorrido em 1939 até o princípio
de 2000,
foram registradas 138 vítimas fatais e uma enorme quantidade de feridos em
confrontos entre as barra bravas”.[5]
A medida adotada pela Argentina,
assim como no Brasil também é bastante debatida.
Em matéria datada de 28/08/2013,
sobre torcida única, o jornal LANACION em sua coluna “canchallena”, destacou o
posicionamento do presidente da AFA – Associação do Futebol Argentino, em que mencionou
terem sido decisões pouco inteligentes.
Assim dispôs o Lanacion em sua edição
“on-line”:
"Fueron decisiones poco inteligentes. Acá nos salvamos
todos o nos hundimos todos", dijo el presidente de AFA en la reunión con
los representantes de los clubes”.[6]
Na mesma matéria, sobre as perdas
para os clubes de futebol, o Lanacion colacionou a fala do segundo
Vice-presidente do Belgrano de Cordoba.
Registrou o periódico que:
“Para tener una idea del perjuicio que significa para
los clubes el hecho de no poder habilitar las tribunas visitantes, Abraham
Rufail, vicepresidente 2º de Belgrano (Córdoba), había contado hace unas
semanas que la institución dejaría de facturar "$ 3 millones" en el
partido de hoy frente a Boca”.[7]
No Brasil, do ponto de vista jurídico
a adoção de torcida única encontra um de seus fundamentos, o disposto no art. 17
da Lei nº 10.671/2003 conhecida como Estatuto do Torcedor, que prevê dentre
outras ações, medidas preventivas de segurança em partidas com excepcional
expectativa de público.
Art.
17. É direito do torcedor a implementação de planos de ação referentes à
segurança, transporte e contingências que possam ocorrer durante a realização
de eventos esportivos.
§ 2o Planos de ação especiais poderão ser
apresentados em relação a eventos esportivos com excepcional expectativa de
público[8].
Mas afinal, considerando que o futebol
é um patrimônio cultural brasileiro reconhecido mundialmente, a adoção de
torcida única estaria ligada ao despreparo ou incompetência pública?
V. A ATUAÇÃO DO ESTADO NO COMBATE
À VIOLÊNCIA NO FUTEBOL
A Constituição Federal de 1988 preconiza o direito de ir e vir de todos
os cidadãos conforme se verifica no art. 5º da Carta Magna:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade
[...].[9]
Conforme se extrai dos ensinamentos de Avila (2004), o art. 5º, em seu caput, eleva a segurança à condição de
direito fundamental. Assim como os demais, tal direito deve ser universalizado
de maneira igual, não podendo deixar de ser prestada aquela parcela mais pobre
da população, ou ainda fazê-la de modo seletivo.
De forma precisa a Carta Política dispõe no caput do Art. 144 acerca do dever de segurança pública.
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade
de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das
pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - policía federal;
V - polícias militares e corpos de bombeiros
militares.[10]
Como se observa o caput do art.
144 determina que politicas governamentais de segurança sejam direcionadas no
tocante a “preservação da ordem pública” e à “incolumidade das pessoas e
do patrimônio”.
Sobre a questão em comento o
Supremo Tribunal Federal tem entendimento assentado tendo se pronunciando através
de diversos julgamentos, como os transcritos abaixo em que reitera a ordem
constitucional da atribuição ao Estado do dever de prestar segurança e manter a
ordem pública.
“O direito a segurança é prerrogativa constitucional indisponível,
garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a
obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal
serviço. […]” [11] .
“O conceito jurídico de ordem pública não se confunde com incolumidade das
pessoas e do patrimônio (art. 144 da CF/1988). Sem embargo, ordem pública se
constitui em bem jurídico que pode resultar mais ou menos fragilizado pelo modo
personalizado com que se dá a concreta violação da integridade das pessoas ou
do patrimônio de terceiros, tanto quanto da saúde pública (nas hipóteses de
tráfico de entorpecentes e drogas afins). Daí sua categorização
jurídico-positiva, não como descrição do delito nem cominação de pena, porém
como pressuposto de prisão cautelar; ou seja, como imperiosa necessidade de
acautelar o meio social contra fatores de perturbação que já se localizam na
gravidade incomum da execução de certos crimes. Não da incomum gravidade
abstrata desse ou daquele crime, mas da incomum gravidade na perpetração em si
do crime, levando à consistente ilação de que, solto, o agente reincidirá no
delito. Donde o vínculo operacional entre necessidade de preservação da ordem
pública e acautelamento do meio social. Logo, conceito de ordem pública que se
desvincula do conceito de incolumidade das pessoas e do patrimônio alheio
(assim como da violação à saúde pública), mas que se enlaça umbilicalmente à
noção de acautelamento do meio social”.[12]
Ainda no que pese a fundamentação jurídica não podemos deixar de
transcrever o que dispõe o art. 1º-A da Lei 10.671/2003.
Art. 1o-A. A prevenção da
violência nos esportes é de responsabilidade do poder público, das
confederações, federações, ligas, clubes, associações ou entidades esportivas,
entidades recreativas e associações de torcedores, inclusive de seus
respectivos dirigentes, bem como daqueles que, de qualquer forma, promovem,
organizam, coordenam ou participam dos eventos esportivos.[13]
Num primeiro momento, poderia se arguir se o artigo acima nao fere
diretamente disposições constitucionais, pois conforme ja se verificou neste
estudo o dever de segurança pública, tanto no âmbito preventivo quanto repressivo
é de competência da administração publica, ou seja, do Estado.
A grande questão que se coloca é qual o limite da responsabilidade dos
atores elencados no referido artigo para que de fato se produzam os efeitos
preventivos desejados, a questão é muito discutida tanto pela jurisprudência
quanto pela doutrina especializada.
A título ilustrativo, encontra-se em análise na Câmara dos Deputados, Projeto
de Lei do poder executivo que cria o SUSP – Sistema Único de Segurança Pública.
O capitulo VII do referido projeto trata “Da Segurança Cidadã”.
Através da transcrição de alguns dispositivos do projeto em comento,
verifica-se não haver, pelo menos no tocante a “Segurança Cidadã”, novas
propostas ou mecanismos legais que já não se encontrem a disposição do Estado
para que este atue no estrito cumprimento de seu dever constitucional.
DA SEGURANÇA CIDADÃ
Art. 30. A segurança cidadã consiste na situação política e social de segurança integral e cultura da paz em que as pessoas têm, legal e
efetivamente, garantido o gozo pleno de seus direitos fundamentais, por meio de
mecanismos institucionais eficientes e eficazes, capazes de prever, prevenir,
planejar, solucionar pacificamente os conflitos e controlar as ameaças, as
violências e coerções ilegítimas.
Art. 31. É
responsabilidade da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios a construção
e execução de políticas públicas voltadas para a implementação da segurança
cidadã.
§ 1º O objetivo da segurança cidadã é dar
efetividade às ações de prevenção da violência e da criminalidade e tem como
meta garantir a inclusão social e a igualdade de oportunidades, por meio de políticas
públicas que […][14]
O Estado deve atuar de forma repressiva, punitiva
e, ainda, preventiva. Os documentos do Conselho
da Europa concluíram que a deterioração das instalações dos estádios pode vir a
ser um fator gerador de violência envolvendo espectadores de futebol dentro dos
estádios, assim como a má organização do futebol e de seu espetáculo.
Tal como ocorreu na proibição do consumo de
bebidas alcoólicas, o poder público na ânsia de dar uma reposta à
sociedade e apontar soluções para a crescente violência nos estádios de
futebol, escolheu a rivalidade como vilã.
Como ressaltou o professor
Gustavo Lopes Pires de Souza em artigo publicado na Revista Síntese de número
14:
Tal indicação sem
fundamentos torna-se ainda mais cristalina ao se buscar as reais causas da
violência nos estádios de futebol (...).
Assim, deve haver um conjunto coordenado de ações
entre entidades privadas e o Poder Público para atacar a violência no futebol,
especialmente com a maior qualidade dos produtos de entretenimento esportivo.
VI - CONCLUSÃO
Diante de todo exposto conclui-se que resta evidente a urgente
necessidade de se encontrar caminhos alternativos que garantam o pleno
exercicio de direitos fundamentais constante na Carta Magna que se encontram em
rota de colisão. Ou seja, é preciso garantir o direito as liberdades
individuais e coletivas alinhadas à segurança e ordem pública.
Urge destacar que mediante o quadro de violência que tomou contas do
futebol o Estado tem se mostrado despreparado e por vezes incompetente em sua função
outorgada pela Constituição o que acaba por legitimar, dado os anseios da
sociedade, a adoção da medida de Torcida Única o que nos dizeres de Marcos
Lopes da Tribuna do Norte “é o atestado de falência da segurança pública
de um estado, é o atestado da perda de espaço dos bons, a vitória dos maus, a
consolidação da violência e – insisto – a prova definitiva da incompetência do
estado em garantir a segurança do bom torcedor”. [15]
A Inglaterra, por exemplo, após a morte de 96 torcedores em Hillsborough,
realizou profundo estudo conhecido como “Report Taylor” que apontou as causas
da tragédia sugeriu uma série de medidas a serem adotadas, como as destacadas
por Luiz César Cunha Lima:
Revisão da capacidade de
público de todos os estádios; instalação de assentos numerados em todos os
setores dos estádios; novas provisões a respeito de primeiros socorros e serviços
de emergência em todos os campos de futebol; estabelecimento de grupos locais
encarregados de fornecer conselhos sobre a segurança nos estádios; retirada dos
alambrados e monitoramento do público na arena desportiva. (LIMA, 2008).
Por fim, importante destacar a atuação do Poder Público espanhol no qual as
medidas de segurança adotadas pela Comissão Nacional contra a Violência nos
Espetáculos Esportivos fizeram com que o corpo de segurança do Estado tivesse
plena fiscalização e controle dos espectadores dentro dos estádios e em suas
imediações, por meio de câmeras de vídeo e um trabalho sincronizado entre os
diferentes agentes de segurança que trabalham durante um evento futebolístico.
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- WIKIPEDIA. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Barra_brava>.
Acesso em: 26 de dezembro de 2014.
[1] CHINAGLIA, A. “A violência nos estádios de futebol:
sua origem prevenção e repressão”. In: SÃO PAULO (Estado). A violência no
esporte. Secretaria de Estado da Justiça e Defesa da Cidadania, São Paulo.
[2] LANCENET!
http://www.lancenet.com.br/minuto/Violencia-torcidas_organizadas_
0_1044495544.html #ixzz3MqDCqpHZ. Acesso em 24 de dezembro de 2014.
[3] UOL
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Acesso em 22 de dezembro de 2014.
[4] UOL
ESPORTE. Disponível em http://esporte.uol.com.br/futebol/violencia-no-futebol/contra.jhtm#.
Acesso em 26 de dezembro de 2014.
[5] WIKIPEDIA.
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Barra_brava>.
Acesso em 26 de dezembro de 2014.
[6]
LANACION. Disponível em: <http://canchallena.lanacion.com.ar/1614659-vuelven-los-visitantes-al-futbol-pero-solo-plateistas>.
Acesso em 26 de dezembro de 2014.
[7] Ob. Cit.
6
[8]
BRASIL. Lei 10.671 de 15 de maio de 2003. Dispõe sobre o Estatuto de Defesa do
Torcedor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.671.htm>.
Acesso em 26 de dezembro de 2014.
[9]
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.
Acesso em 26 de dezembro de 2014.
[10] Ob.
Cit. 9
[11] STF. (RE
559.646-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 7-6-2011, Segunda
Turma, DJE de 24-6-2011.). No mesmo sentido: ARE
654.823-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 12-11-2013, Primeira
Turma, DJE de 5-12-2013. Disponível em: <www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigobd.asp?item=%201359>.
Acesso em 26 de dezembro de 2014.
[12] STF. (HC 101.300,
Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 5-10-2010, Segunda
Turma, DJE 18-11-2010.). Disponível em: <www.stf.jus.br/portal/
constituicao/artigobd.asp?item=%201359>. Acesso em 26 de dezembro de
2014.
[13] Ob.
Cit. 8
[14]
CAMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei 3734/2012. Disciplina a organização e o
funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, nos termos do §
7º do art. 144 da Constituição, institui o Sistema Único de Segurança Pública -
SUSP, dispõe sobre a segurança cidadã, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=542102>.
Acesso em 26 de dezembro de 2014.
[15] BLOG
TRIBUNA DO NORTE. Disponível em:http://blog.tribunadonorte.com.br/marcoslopes/100716.
Acesso em 27 de dezembro de 2014 .