Artigo publicado na Revista Juridica Sintese (Segmento Direito Desportivo) nº 39.
Carlos Santiago da Silva Ramalho
Administrador pela Universidade Vale do Rio Verde - Unincor; Graduando
do 7º período de Direito – Faculdade de Direito de Contagem (FDCON); Membro da
Associação Internacional de Poetas; Autor de livro e Artigos.
Resumo: Nas últimas décadas a violência relacionada
ao futebol é tema pautado continuamente pela mídia e pela sociedade. Diversas
ações foram implementadas com o passar dos anos no intuito de coibir atos violentos
entre torcidas rivais. Uma das medidas adotadas foi proposta pelo Conselho
Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Publico - CNPG em conjunto com a
Confederação Brasileira de Futebol – CBF que proibiu a venda e consumo de
bebidas alcoólicas em competições oficiais visando a diminuição da violência
nos estádios de futebol. Ocorre que a proibição tem gerado interpretações
legislativas destoantes entre especialistas da área. De um lado aqueles que
defendem a legalidade do Art. 13-A da Lei 10.671/2003 (Estatuto do Torcedor) e
de outro os que alegam não haver qualquer previsão legal para a referida
proibição. O debate é polêmico, pois envolve uma das mais festejadas paixões
dos brasileiros: o futebol. O presente artigo tem por objetivo realizar uma
breve analise jurídica acerca do tema no tocante a perscrutar a legalidade ou
ilegalidade da venda de bebidas alcoólicas em estádios e arenas esportivas
brasileiras.
Palavras-Chave: Venda Bebidas alcoólicas – Futebol
– Violência – (i) Legalidade.
Abstract: In recent decades,
football-related violence is subject continuously guided by the media and
society. Several actions have been implemented over the years in order to curb
violence between rival fans. One of the measures adopted was proposed by the
National Council of Prosecutors General of the Public Ministry - CNPG together
with the Brazilian Football Confederation - CBF which prohibited the sale and
consumption of alcoholic beverages in official competitions aimed at reducing
violence in football stadiums. It turns out that the ban has generated
discordant legislative interpretations among experts in the field. On one side
those who defend the legality and Art. 13a of Law 10.671 / 2003 (Statute of the
Fan) and on the other those who claim that there was no legal provision for the
prohibition. The debate is controversial because it involves one of the most
celebrated Brazilian passions: soccer. This article aims to make a brief legal
analysis on the subject with respect to scrutinize the legality or illegality
of the sale of alcohol in stadiums and sports arenas Brazilian
Keywords: Sale Drinking - Football - Violence - (il) Legality.
Sumário: I. Introdução; II. Da Origem das
discussões; III. Da Atuação Normativo-Jurídica Estatal; IV. Conclusão.
I.
INTRODUÇÃO
A venda e o consumo de bebidas
alcoólicas em estádios e arenas desportivas é tema pautado por inúmeras
polêmicas pela sociedade brasileira ao longo das últimas décadas.
Tal afirmação encontra amparo
diante do grave quadro de violência observada em diversas modalidades
esportivas, principalmente o futebol, em razão do fanatismo de torcedores que
utilizam as cores de seus times para a prática de atos desabonadores.
Pimenta (1997) destaca que
"a mudança de comportamento do torcedor nas arquibancadas dos estádios
começa a ser sentida num viés de violência, truculência e agressividade – nos
moldes atuais – pelo torcedor comum e agentes envolvidos com o esporte, e passa
a ser veiculada com maior frequência pelos órgãos de imprensa, a partir dos
anos noventa”.
Destarte, os episódios de
violência veiculados pela mídia, na maioria das vezes envolvendo confrontos
diretos entre torcedores rivais, fez gerar perplexidade e disseminar a sensação
de insegurança entre a população e os pacatos frequentadores de jogos em estádios
de futebol.
Discorre a professora Heloisa
Helena Baldy dos Reis sobre a existência dos espectadores, os torcedores, os
torcedores uniformizados e os torcedores organizados. Os espectadores são
aqueles que apenas assistem aos jogos. Os torcedores são aqueles que se
envolvem nas partidas. São os torcedores e não os espectadores que cantam,
xingam, fazem coreografias, choram, empurram o time e agridem verbalmente – às
vezes até fisicamente – os adversários e o árbitro. O torcedor uniformizado
“usa a camisa de sua equipe, demonstrando assim sua predileção por um time de
futebol”. Já o torcedor organizado, por sua vez, “faz parte de uma facção
torcedora, que tem uma estrutura organizacional independente do clube pelo qual
torce”.
Neste diapasão o consumo de
bebidas alcoólicas em estádios passou a ser tido como uma das causas propensas
a contribuir para atos de violência praticados pelos torcedores.
Laranjeira, Dualibi e
Pinski (2005) em estudo sobre o tema acentua que “estatísticas
internacionais apontam que em cerca de 15% a 66% de todos os homicídios e
agressões sérias, o agressor, vítima, ou ambos tinham ingerido bebidas
alcoólicas”.
Por seu turno, a origem da
violência no esporte pode ser entendida dentro da sociedade em geral, dado a
interdependência entre violência e os diversos estratos sociais de pessoas
envolvidas em confrontos dessa natureza nos estádios de futebol, assim como devido
à atuação passiva do Estado.
Não se pode, entretanto, devido
aos inúmeros fatores desfavoráveis que pautam o tema, atribuir ao consumo de
bebidas como causa única ao fator violência nos estádios.
Neste sentido é o entendimento da
professora Heloisa Helena Baldy dos Reis:
De forma rápida, em uma análise
micro pode-se dizer que os fatores geradores de violência relacionada ao
futebol são: a impunidade, a falta de infraestrutura dos estádios, a falta de
competência na organização dos espetáculos futebolísticos, a irresponsabilidade
dos promotores de eventos esportivos, os limites dos agentes de segurança que
trabalham em estádios de futebol, além da falta de uma política pública de
segurança preventiva. [REIS, 2006].
O
futebol brasileiro é conhecido internacionalmente e faz parte da cultura do
país, além de ser uma das mais importantes atividades de lazer de milhões de
brasileiros.
Neste cenário, sem aprofundar na
complexidade da relação entre violência e esporte, torna-se necessário tanto
por parte da sociedade quanto do poder público, a busca de soluções que coíbam
a violência para que o espetáculo esportivo tenha cada vez mais espaço e adesão.
Diante disso, este trabalho busca
analisar, do ponto de vista legal, a proibição da venda e consumo de bebidas
alcoólicas em estádios e arenas esportivas como forma de combate à violência.
II – DA ORIGEM
DAS DISCUSSÕES:
A venda e o consumo de bebidas
alcoólicas, alardeada como uma das possíveis causas de contribuição para
violência no futebol acabou sendo proibida em competições oficiais, mediante
termo de cooperação, RDP nº 01/2008, celebrado entre a Confederação Brasileira
de Futebol (CBF) e o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério
Publico dos Estados e da União (CNPG). [1]
Por consequência, órgãos do Ministério
Público impulsionaram a celebração de Termos
de Ajuste de Conduta (TAC) junto às federações esportivas estaduais de futebol
com o mesmo objetivo: restringir a venda e o consumo de bebidas nas competições
regionais visando diminuir atos de violência entre torcidas rivais.
Dentro do contexto acima, o
fundamento daqueles que defendem a proibição de bebidas em estádios e arenas
desportivas calçado no binômio álcool x violência, não encontra amparo em
estudos científicos precisos.
Para o Diretor Regional do
Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, Dr. Gustavo Lopes Pires de Souza “não
há qualquer descrição legal ou estudo que aponte de forma inquestionável quais
bebidas seriam capazes de gerar ou possibilitar atos violentos”. [2]
Por seu turno, o historiador e
pesquisador no laboratório de SPORTS da UFRJ, Ricardo Pinto dos Santos assevera
que “as bebidas alcoólicas não são culpadas pela violência nos estádios, até
mesmo porque continuam sendo consumida ao redor dele. A grande questão está
ligada a não compreensão das reais potencialidades do futebol e dos seus
seguidores”.
Neste sentido, interroga o
historiador:
Quem ou qual será o próximo
culpado pelos novos atos de violência nos estádios? Quais serão as novas
proibições?” [3]
Depreende-se, portanto, que as
causas de violência no futebol ultrapassam os gramados e devem ser buscadas na
sociedade. Dentre as múltiplas facetas, a exclusão social, a pobreza e as
péssimas condições de vida acabam por influenciar por vezes, as ações violentas
de muitos torcedores.
Nesta linha, registra o Argentino Daniel M. Cesari
Hernandéz:
La violencia social,
consecuencia, muchas veces, de la propia naturaleza humana y otras tantas de
factores económicos, políticos y hasta religiosos, es uno de los factores que
El Estado ha intentado controlar a través del derecho penal, aunque no con
mucha efectividad.
Es sabido que la práctica
deportiva genera violencia en si misma, producto del espíritu violento del ser
humano, que ve en el contrictante no a un mero competidor, sino a alguien que
pretende arrebatarle, su presa, representando, en consecuencia, al enemigo en
dicha contienda. [HERNANDÉZ, 2009].
Em lado oposto, entre aqueles que
defendem a medida proibitiva de venda e consumo de bebidas em estádios, o
fundamento refere-se ao binômio da proibição legal amparada no Estatuto do
Torcedor, mais precisamente no Art. 13-A da referida legislação x senso comum
de que o álcool contribui para a prática de atos agressivos.
Murad (2007) aduz ser o álcool
uma das causas explicativas de violência no futebol à medida que este funciona
como “combustível para a prática de atos de violência”.
Reis (2006) comunga do mesmo
entendimento ressaltando existir uma relação maléfica entre álcool e a
população jovem do Brasil.
Acerca da adoção da medida
restritiva de venda e consumo de bebidas em estádios, em ofício encaminhado ao Ministério
Público de MG afirma o Corpo de Bombeiros do mesmo Estado que:
A medida resultou em um ganho
incomensurável, pois é substancial a queda do número de ocorrências registradas
em razão do consumo de bebidas alcoólicas, quer seja no interior do estádio,
quer seja após o termino das partidas. É também significativa a diminuição da
quantidade de acidentes nos corredores de tráfego que dão acesso aos estádios
em todo o Estado.
Entendemos que a proibição da
venda de bebidas alcoólicas nos estádios de futebol é uma medida pacificadora e
que inibe a exaltação de ânimos de um numero muito relevante de torcedores.
[...]. Sabemos que o álcool afeta o sistema nervoso central, deixa as pessoas
menos produtivas e mais ansiosas, irritadas e tensas, comprometendo assim sua
capacidade de concentração, de julgamento e desempenho profissional. [4]
O Ministério Público de MG, por
sua vez, utilizando-se de estatísticas produzidas pela Administração de
Estádios do Estado de Minas Gerais (ADEMG), assevera que em relação à
frequência no estádio Magalhaes Pinto, popularmente conhecido como Mineirão, “houve
aumento de público presente em numero significativo (acima de 50%), enquanto as
ocorrências diminuíram sensivelmente”.[5]
Conforme acima discorrido,
importa ressaltar que a proibição de vendas e consumo de bebidas alcoólicas nos
estádios não é uma medida consensual, tanto que algumas unidades da federação
instituíram legislação em sentido da liberação de bebidas em estádios, o que
para alguns estudiosos incorre em medida inconstitucional por ferir legislação
federal.
Destarte, necessário se faz uma análise
do tema do ponto de vista jurídico.
III – DA ATUAÇÃO
NORMATIVO-JURÍDICA ESTATAL
O debate posto refere-se a tema ligado ao consumo e desporto, cuja
competência legislativa para definição de normas gerais sobre a matéria é da
União, conforme dispõe o Art. 24, Incisos V e IX, combinado com os § § 1º e 3º
da Constituição da República Federativa do Brasil. [6]
Nesta
seara foi editada a Lei Federal de nº 10.671 de 15 de maio de 2003,
popularmente conhecida como Estatuto do Torcedor, a qual congrega normais
gerais atinentes a competência legislativa concorrente outorgada pela
Constituição, conforme se extrai do Art. 1º do referido diploma.
Art. 1o Este Estatuto
estabelece normas de proteção e defesa do torcedor.
O Supremo
Tribunal Federal, em sede de julgamento da ADI 2.937, de relatoria do Ministro
Cezar Peluso reconheceu o caráter de normas gerais constantes do Estatuto do
Torcedor.
Ressaltou
o Ministro em excerto de seu voto que:
Tais normas não se despiram, em
nenhum aspecto, da sua vocação genérica, nem correram o risco de se transformar
em simples recomendações. Introduziram diretrizes, orientações e, até, regras
de procedimentos, todas de cunho geral, diante da impossibilidade de se
estruturar, normativamente, o subsistema jurídico-desportivo apenas mediante
adoção de princípios. [7]
Afastada
possíveis contradições sobre a generalidade do referido diploma legal,
necessário se faz, sem alusão ao esgotamento do tema, breve análise do
alardeado Art. 13-A, Inciso II, da Lei 10.671/2003 que assim dispõe:
Art. 13-A. São condições de acesso e permanência
do torcedor no recinto esportivo, sem prejuízo de outras condições previstas em
lei: (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).
II - não portar objetos, bebidas ou substâncias
proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos de
violência; (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).
Destaca
Gomes (2011) que o referido artigo “não proíbe a venda de bebidas alcoólicas
nas praças esportivas, mas tão somente o ingresso no recinto esportivo do
torcedor que estiver na posse de bebida suscetível de acarretar um perigo de
dano, gerador em potencial de atos de violência”.
Com
a devida vênia, discordamos do ilustre doutrinador, haja vista a cristalinidade
contida no caput do referido artigo que estabelece condições para o acesso e
permanência do torcedor no recinto esportivo, e em cujo Inciso II a interpretação
é restritiva no tocante a imprimir a vontade do legislador acerca de “não
portar objetos, ou bebidas [...] suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática
de atos de violência”.
Em
uma análise hermenêutica, entendemos que a palavra “bebidas”, consignada pelo
legislador no diploma legislativo não se refere, obviamente, a água ou
refrigerante ou café.
Destarte,
outra interpretação não há, senão aquela que bebidas alcoólicas têm o condão de
gerar ou possibilitar a pratica de atos de violência, conforme posicionamentos já
abordados e corroborados por Laranjeira, Dualibi e Pinski:
As
relações são múltiplas e variadas, mas o consumo de álcool é no mínimo, um
importante facilitador das situações de violência. Não faltam evidências
científicas de sua participação nos homicídios, suicídios, violência doméstica,
crimes sexuais, atropelamentos e acidentes envolvendo motoristas alcoolizados.
[LARANJEIRA, DUALIBI E PINSKI, 2005]
O
combate à violência além de ser tarefa de toda a sociedade, requer uma atuação
firme do poder público no tocante a implementação de medidas que visem o
alcance da paz social através de políticas públicas eficientes.
Neste
diapasão, imperioso trazer a baila dispositivos legislativos que norteiam ações
públicas estatais que visam à redução do consumo de álcool pela população
brasileira.
O
primeiro refere-se à Lei Nº 11.705 de 19 de junho de 2008, que ficou conhecida
como “Lei Seca”. A norma teve como principal objetivo estabelecer tolerância
zero quanto ao teor alcoólico para condutores de veículos automotores, conforme
abaixo disposto:
Art. 1o Esta Lei altera dispositivos da Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o Código de Trânsito
Brasileiro, com a finalidade de
estabelecer alcoolemia 0 (zero) e de impor penalidades mais severas para o
condutor que dirigir sob a influência do álcool, e da Lei no 9.294, de 15 de julho de 1996, que dispõe sobre as restrições ao uso
e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos,
terapias e defensivos agrícolas, nos termos do § 4o do art. 220 da Constituição Federal, para obrigar os estabelecimentos
comerciais em que se vendem ou oferecem bebidas alcoólicas a estampar, no
recinto, aviso de que constitui crime dirigir sob a influência de álcool. (Grifo
nosso)
O
legislador visando dar maior efetividade a norma, buscou restringir a venda de
bebidas alcoólicas em imediações e rodovias:
Art. 2o São vedados, na faixa de domínio de rodovia federal ou em
terrenos contíguos à faixa de domínio com acesso direto à rodovia, a venda
varejista ou o oferecimento de bebidas alcoólicas para consumo no local.
É
cediço que álcool e direção não se coadunam. Nesta esteira, assevera Jesus (2000)
que o interesse estatal por um normal funcionamento do transito, em todas as
esferas, se traduz em uma atividade vinculada do Estado, uma obrigação deste
para com todos no tocante a coletividade.
G.
Edwards, leciona que:
Pessoas com graves problemas de bebida são muito predispostas a
acidentes, e episódios particularmente desagradáveis ocorrem em decorrência da
perturbação da atenção e dos reflexos de autoproteção. [G. EDWARDS, 1987]
De
acordo com o portal www.brasil.gov.br, desde a implantação da denominada “Lei
Seca”, o consumo de álcool no Brasil associado à direção reduziu em 45% [8], o
que mostra a assertividade da medida.
Outro
dispositivo que merece destaque é o Decreto 6.117 de 22 de maio de 2007 editado
pela Presidência da República dispondo acerca da Política Nacional sobre o Álcool
e medidas para redução do uso indevido de álcool e sua associação com violência
e criminalidade, conforme disposto abaixo:
I - OBJETIVO
1. A Política Nacional sobre o Álcool
contém princípios fundamentais à sustentação de estratégias para o enfrentamento coletivo dos problemas
relacionados ao consumo de álcool, contemplando a intersetorialidade e a
integralidade de ações para a redução dos danos sociais, à saúde e à vida
causados pelo consumo desta substância, bem como as situações de violência e
criminalidade associadas ao uso prejudicial de bebidas alcoólicas na população
brasileira. (Grifo nosso)
A
referida norma traz com precisão o conceito de bebida alcoólica:
III - DO CONCEITO DE BEBIDA
ALCOÓLICA
[...]
5. Para os efeitos desta Política, é
considerada bebida alcoólica aquela que contiver 0.5 grau Gay-Lussac ou mais de
concentração, incluindo-se aí bebidas destiladas, fermentadas e outras
preparações, como a mistura de refrigerantes e destilados, além de preparações
farmacêuticas que contenham teor alcoólico igual ou acima de 0.5 grau
Gay-Lussac.
No
que concerne à proteção da população dispõe a norma que:
[...]
4. Compete ao Governo, com a
colaboração da sociedade, a adoção de medidas discutidas democraticamente que
atenuem e previnam os danos resultantes
do consumo de álcool em situações específicas como transportes, ambientes
de trabalho, eventos de massa e em
contextos de maior vulnerabilidade. (Grifo nosso)
Indiscutivelmente
eventos esportivos caracterizam-se como eventos de massa, cuja definição pode
ser extraída da Resolução da Diretoria Colegiada – RDC Nº 43, de 01 de setembro
de 2015, editada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA e que
dispõe sobre a prestação de serviços de alimentação em eventos de massa.
Dispõe
o Art. 5º:
[...]
VIII: Evento
de massa: atividade coletiva de natureza cultural, esportiva, comercial,
religiosa, social ou política, realizada por tempo pré-determinado, com
concentração ou fluxo excepcional de pessoas, de origem nacional ou
internacional, e que, segundo a avaliação das ameaças, das vulnerabilidades e
dos riscos à saúde pública, exija a atuação coordenada de órgãos de saúde
pública da gestão municipal, estadual e/ou federal e requeira o fornecimento de
serviços especiais de saúde, públicos ou privados (sinonímia: grandes eventos,
eventos especiais, eventos de grande porte); [9]
Insta destacar que os diplomas normativos abordados,
tem por objetivo programático a busca de soluções praticas que reduzam danos
causados pelo uso do álcool, haja vista, o grave quadro social que se tornou a questão
da violência, também presenciada nas arenas desportivas.
Percebe-se
assim, que existe um conjunto de normas infraconstitucionais no ordenamento
jurídico brasileiro que consubstanciam a legalidade do Art. 13-A da Lei
10.671/2003 (Estatuto do Torcedor).
Neste
particular, suponhamos vigorar, majoritariamente, a interpretação de
inaplicabilidade do artigo mencionado acima e, sabendo ser a bebida alcoólica
fator de contribuição para a prática de atos de violência, restaria inócua a persecução
estampada no Art. 1º-A do Estatuto do Torcedor, que assim dispõe:
Art. 1o-A. A prevenção
da violência nos esportes é de responsabilidade do poder público, das
confederações, federações, ligas, clubes, associações ou entidades esportivas,
entidades recreativas e associações de torcedores, inclusive de seus
respectivos dirigentes, bem como daqueles que, de qualquer forma, promovem,
organizam, coordenam ou participam dos eventos
esportivos. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). (Grifo nosso)
Por
conseguinte, visando sedimentar o entendimento acerca da matéria em discussão,
buscamos amparo na Constituição Federal de 1998, mais precisamente no Art. 217,
Inciso IV que menciona ser dever do Estado fomentar práticas desportivas bem como
a proteção e o incentivo às manifestações esportivas, senão vejamos:
Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e
não-formais, como direito de cada um, observados:
[...]
IV - a proteção e o incentivo às
manifestações desportivas de criação nacional.
Sobre o fomento de práticas desportivas, seja
formais ou não formais, leciona José Cretella Junior:
[...] direito subjetivo público de cada um, assegurado
constitucionalmente, bem como é dever do Estado, fomentar práticas desportivas,
quer formais, submetidas a regras, incluindo-se as respectivas sanções, quer
informais, que não obedecem a ritos ou preceitos a priori fixados. Nos dois
casos, envolvendo a saúde e o bem estar, físico e mental, da comunidade, ou
ambas as coisas, há interesse público em
jogo, pelo que o Poder Público incentiva as práticas desportivas, quer em
clubes esportivos, ou associações, quer ao ar livre, em parques e vias públicas
para isso reservadas. [CRETELLA JR, 1993]. (Grifo nosso)
Assim o Poder Público deve atuar, por mandamento
constitucional, no fomento do desporto nacional como estimulo ao
desenvolvimento social.
Sobre
a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional,
assim já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal:
“(...) José Afonso da Silva bem esclarece que a expressão ‘de criação
nacional’, inserta na Carta Magna, ‘não significa’ – necessariamente – ‘que
seja de invenção brasileira, mas que seja prática desportiva que já se tenha
incorporado aos hábitos e costumes nacionais’. Isso quer dizer, a meu sentir,
que o futebol, como esporte plenamente
incorporado aos costumes nacionais, deve ser protegido e incentivado por
expressa imposição constitucional, mediante qualquer meio que a Administração
Pública considerar apropriado. É escusado lembrar que, por mais que alguém,
entre nós, seja indiferente ou mesmo refratário a tudo o que diga respeito ao
futebol, a relação da sociedade brasileira com os mais variados aspectos desse
esporte é estreita e singularíssima, estando ele definitivamente incorporado à
cultura popular, seja na música, seja na literatura, seja no cinema, seja,
enfim, nas artes em geral, fazendo-se presente, em especial, na maioria das
grandes festas nacionais.” (Grifo Nosso) [10]
Por
fim, se alguma dúvida ainda persistir, indispensável é trazer a baila
conceituação do principio da supremacia do interesse público em detrimento ao
privado.
Discorrendo
sobre o tema, Maria Sylvia Zanella Di Pietro assevera que “as normas de direito
público, embora protejam reflexamente o interesse individual, tem o objetivo
primordial de atender ao interesse público, ao bem-estar coletivo. Além disso,
pode-se dizer que o direito público somente começou a se desenvolver quando,
depois de superados o primado do Direito Civil (que durou muitos séculos) e o
individualismo que tomou conta dos vários setores da ciência, inclusive a do
Direito, substituiu-se a ideia do homem com fim único do direito (própria do
individualismo) pelo princípio que hoje serve de fundamento para todo o direito
público e que vincula a Administração em todas as suas decisões: o de que os
interesses públicos tem supremacia sobre os individuais”.
Por
sua vez, adverte Raquel Melo de Carvalho que:
“A única superioridade que se entende legítima é aquela pertinente ao
interesse comum do conjunto de cidadãos em relação ao interesse individual de
cada uma das pessoas que integram uma dada sociedade”. [CARVALHO, 2008]
Evidente,
portanto, a supremacia do interesse público em detrimento ao privado no tocante
a adoção de medidas que resguardem a prevenção de danos decorrentes do consumo
de álcool em eventos de massa de forma a manter a ordem pública.
IV –
CONCLUSÃO:
Diante
de todo exposto conclui-se que resta evidente a legalidade da proibição de
vendas e consumo de bebidas alcoólicas em estádios e arenas desportivas
brasileiras, haja vista, decorrer de diplomas normativos infraconstitucionais que
versam sobre normas gerais sobre desporto e consumo e de adoção de políticas públicas
para combate ao uso indevido do álcool.
O
desporto tem natureza social, elevado interesse social e integra o patrimônio
cultural brasileiro o que não se coaduna com o quadro fático de violência que,
por vezes, se manifesta nos estádios e arenas desportivas. Neste contexto, urge
interrogar quais seriam os benefícios advindos com o consumo de bebidas
alcoólicas em eventos desportivos? Ou ainda a quem interessa sedimentar o
entendimento de que existe ilegalidade na medida proibitiva?
A
polêmica se estende a diversos outros países, tanto que a UEFA, por exemplo,
resolveu proibir a venda de bebidas alcoólicas nos estádios cujos eventos
estejam sob sua coordenação.
A proibição à venda de bebidas
está no estatuto de segurança adotado em 2006 pela UEFA – a entidade europeia
de futebol que é responsável pela Eurocopa e por outros dos torneios mais
lucrativos do mundo, como a Liga dos Campeões da Europa e a Liga Europa.
A restrição vale apenas para
eventos da UEFA. Fora do âmbito da entidade, cada país europeu trata a venda de
bebida em estádios de forma diferente. [11]
Por
fim, alternativa outra não há, senão aquela que esteja alinhada aos anseios da
sociedade no tocante a busca de caminhos que possam garantir as liberdades
individuais e coletivas atrelados aos preceitos constitucionais, dentre os
quais a dignidade da pessoa humana.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição da Republica Federativa do
Brasil de 1988. Disponível em:
.
Acesso em: 01 de novembro de 2015.
______. Lei Nº
10.671 de 15 de maio de 2003. Dispõe
sobre o Estatuto de Defesa do Torcedor e dá outras providências. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.671.htm>. Acesso em:
31 de outubro de 2015.
______. Decreto
Nº 6.117 de 22 de maio de 2007. Aprova a
Política Nacional sobre o Álcool, dispõe sobre as medidas para redução do uso
indevido de álcool e sua associação com a violência e criminalidade, e dá
outras providências. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6117.htm>. Acesso em:
02 de novembro de 2015.
______. Lei Nº
11.705 de 19 de junho de 2008. Altera a Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997, que
‘institui o Código de Trânsito Brasileiro’, e a Lei no 9.294,
de 15 de julho de 1996, que dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de
produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos
agrícolas, nos termos do § 4o do art. 220 da Constituição
Federal, para inibir o consumo de bebida alcoólica por condutor de veículo
automotor, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11705.htm>. Acesso em:
01 de novembro de 2015.
CARVALHO, Raquel
Melo Urbano de. Curso de Direito Administrativo. Editora Jus Podivm.
Salvador, 2008.
CRETELLA JUNIOR,
José. Comentários à Constituição de
1988. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993
EDWARDS, G. O
tratamento do alcoolismo. Tradução de José Manoel Bertolote. 1. ed. São
Paulo: Martins fontes, 1987.
GOMES, Luiz
Flávio. Estatuto do Torcedor comentado. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011.
HERNANDEZ, Daniel M. Cesari. Ley de Violencia en Espectáculos Deportivos.
1 ed. Cathedra Juridica, 2009.
JESUS, Damásio E. de. Crimes de Transito: anotações a parte
criminal do código de transito (Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997). 4
ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
LARANJEIRA, R.;
DUAILIBI, S. M.; PINSKI, I. Álcool e
violência: a psiquiatria e a saúde pública. São Paulo, 2005. Disponível em:
. Acesso em: 02 de novembro
de 2015.
MURAD, Mauricio. A
violência no futebol. São Paulo: Editora Saraiva, 2007.
PIETRO, Maria Sylvia
Zanella Di. Direito Administrativo. 19ª ed.. Editora Atlas. São Paulo,
2006.
PIMENTA, C. A. M. Torcidas Organizadas de futebol: violência
e auto-afirmação – aspectos da construção de novas relações sociais.
Taubaté. Vogal. 1997.
REIS,
Heloísa Helena Baldy dos. Futebol e
violência. Campinas: Armazém do Ipê (Autores Associados), 2006.
[1] Disponível em: http://www.consumidor.mppr.mp.br/arquivos/File/estadios/CBF.pdf. Acesso em: 27 de outubro de 2015.
[2] Disponível em: http://www.ibdd.com.br/index.php/colunas/mp-pode-barrar-bebidas-nos-estadios-de-futebol/. Acesso em: 27 de outubro de 2015.
[3] Disponível em: http://www.sport.ifcs.ufrj.br/producoes/Violencia_Alcoolismo_e_Futebol.pdf. Acesso em: 28 de outubro de
2015.
[4] Disponível em: 1 Acesso
em: 30 de outubro de 2015.
[5] Disponível em: 1
Acesso em: 30 de outubro de 2015.
[6] Art. 24. Compete à União, aos
Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: [...] V -
produção e consumo; [...] IX - educação, cultura, ensino, desporto, [...] § 1º No âmbito
da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer
normas gerais. [...] § 3º
Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência
legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
[7] (ADI 2.937, voto do rel. min. Cezar
Peluso, julgamento em 23-2-2012, Plenário, DJE de
29-5-2012.). Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=2086302. Acesso em: 01 de novembro de 2015.
[8] Disponível em: http://www.brasil.gov.br/saude/2014/10/consumo-de-alcool-no-brasil-associado-a-direcao-reduz-em-45. Acesso em: 18 de novembro de
2015.
[9]
Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/667c9a0049b7044eac56aeda875a0177/
RDC+43_2015+Eventos+de+massa.pdf?MOD=AJPERES. Acesso em: 18
de novembro de 2015.
[10] (ADI 4.976, voto do rel. min. Ricardo
Lewandowski, julgamento em 7-5-2014, Plenário, DJE de
30-10-2014.). Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBd.asp?item=1960. Acesso em: 02 de novembro de
2015.
[11] Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2012/03/120214_fifa_estadios_dg.shtml. Acesso em: 18 de novembro de
2015.
Nenhum comentário:
Postar um comentário